Não há dúvidas de que existe uma diferença de remuneração
("gap") entre o salário pago ao conjunto de homens e ao conjunto de
mulheres. Mas a grande questão é saber o porquê desta diferença.
Seres de poucas luzes dão a explicação mais preguiçosa:
discriminação! Preconceito contra mulheres! A solução, dizem, é criar leis e
mais leis para acabar com qualquer diferença salarial. E se elas não
funcionarem? Mais leis, é claro!
Como disse H. L. Mencken: "Para todo problema complexo
existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada".
O professor da Universidade de Standford (EUA) e doutor em
economia Thomas Sowell (ver seu currículo aqui ou aqui), em seu livro
"Fatos e Falácias em da Economia" (1ª edição, Rio de Janeiro: Record,
2017), explica que a tão criticada diferença salarial entre homens e mulheres é
complexa e tem várias causas, inclusive escolhas e características femininas ou
masculinas. Transcrevemos trechos do capítulo "Fatos e Falácias Masculinos
e Femininos":
Apesar de a força física não se mostrar mais um fator
primordial (...), atualmente ainda existem indústrias específicas em que uma
força física considerável continua a ser exigida. Certamente é provável que
mais homens do que mulheres trabalhem nesta área - e algumas delas oferecem
empregos que pagam mais do que a média nacional. Enquanto as mulheres
representam 74% do que o U.S. Census Bureau classifica como "trabalhadores
de escritórios e assemelhados", menos de 5% de "operadores de
equipamento de transporte são do sexo feminino. (...) As mulheres representam
menos de 4% dos trabalhadores nas áreas de "construção, extração e
manutenção". Também são menos de 3% dos trabalhadores na área de
construção ou madeireiros, menos de 2% dos construtores de telhados ou
pedreiros e menos de 1% dos mecânicos e técnicos que consertam veículos pesados
e equipamentos móveis.
Essa distribuição ocupacional tem implicações econômicas
evidentes, uma vez que mineradores ganham quase o dobro da renda de auxiliares
de escritório, quando ambos trabalham em período integral e o ano inteiro.
Ainda existe um bônus pago a trabalhadores que fazem serviço físico pesado ou
insalubre, que costuma se sobrepor ao trabalho que exige força física. Enquanto
54% da mão de obra são compostos de homens, o sexo masculino responde por 92%
das mortes relacionadas com o trabalho. (fl. 89/90)
Além de evitar ocupações que exijam força física acima da
média, as mulheres tendem a fazer escolhas de carreira influenciadas pela
probabilidade de em algum momento se tornarem mãe. (fl. 90)
(...) interrupções na participação na força de trabalho para
cuidar de filhos pequenos até alcançarem idade suficiente para serem colocados
em creches enquanto a mãe volta ao trabalho significam que uma mulher poderá
ter menos anos de experiência de trabalho do que um homem da mesma idade, uma
vez que essas interrupções são mais incomuns para o sexo masculino. (...) a
probabilidade de haver interrupções futuras em função da perspectiva do seu
papel de mãe possa fazer com que colocá-la num cargo superior seja mais
arriscado do que colocar um homem com capacidade semelhante neste mesmo cargo.
(fl. 91)
(...) como os homens nunca engravidam, as mulheres ficam em
desvantagem num trabalho desse tipo em função das restrições físicas da
gestação, que podem representar limitações em cargos que exigem horários
longos, irregulares e imprevisíveis, além de viagens repentinas a lugares
distantes, assim como o maior estresse de casos jurídicos com muitos interesses
em jogo. (fl. 94)
A revista The Economist observou o seguinte:
A principal razão pela qual as mulheres ainda têm menores
salários do que os homens não é que se pague menos pelos mesmos empregos, mas
que elas tendem a não chegar tão longe na carreira ou escolhem ocupações com a
menor remuneração, como enfermagem e educação. (fl. 95)
Conforme já se observou, comparar mulheres e homens que
nunca se casaram, já passaram da idade de ter filhos e trabalham em período
integral no século XXI mostra que, nestas circunstâncias, mulheres ganham mais
do que os homens. (fl. 105)
A Prager University, organização voltada para a produção de
conteúdo educacional, produziu vídeos sobre o tema. Destacamos dois, repletos de dados e fontes:
1) There Is No Gender Wage Gap
(https://www.youtube.com/watch?v=QcDrE5YvqTs)
2) The Myth of the Gender Wage Gap
(https://www.youtube.com/watch?v=1oqyrflOQFc)
Pois bem.
Em janeiro de 2018, Rebecca Diamond, professora
de economia da Universidade de Stanford,
juntamente com os economistas Jonathan Hall e Cody Cook, do Uber, publicaram um
interessante estudo sobre a remuneração paga pelo Uber, que é determinada por
uma fórmula simples e pública que não varia em razão do sexo dos motoristas.
Analisou-se a remuneração de mais de um milhão de
motoristas, e constatou-se um gap salarial de 7% entre homens e mulheres. E
este gap não pode ser atribuído a qualquer preconceito da empresa, eis que
qualquer um pode se inscrever e trabalhar com o serviço (desde que se atenda, é
claro, a determinados critérios objetivos e impessoais, como ausência de
antecedentes criminais, ano e modelo do veículo, etc.).
Felizmente, como o Uber mantém uma enorme base de dados (com
motoristas, histórico de trajetos, tempo de corrida e outros), o estudo foi
capaz de verificar as causas deste gap. Transcrevo parte deste estudo (tradução
nossa):
Descobrimos que os homens ganham cerca de 7% a mais por hora
do que as mulheres em média, o que está de acordo com as estimativas anteriores
de diferenças de ganhos de gênero em empregos especificamente definidos (Bayard
et al., 2003), Barth et al. (2017)). Podemos justificar todo este gap por três
fatores. Em primeiro lugar, através da lógica de compensação de diferenciais,
os ganhos horários em Uber variam previsivelmente por local e hora da semana, e
os homens tendem a dirigir em locais mais lucrativos. O segundo fator é a
experiência de trabalho. Mesmo na realização relativamente simples de uma
viagem de passageiros, a experiência do passado é valiosa para os motoristas. Um
motorista com mais de 2.500 viagens realizadas ganha 14% mais por hora do que
um motorista que completou menos de 100 viagens em seu tempo na plataforma, em
parte por saber onde dirigir, quando dirigir e como estrategicamente cancelar e aceitar viagens. Os motoristas do
sexo masculino acumulam mais experiência do que as mulheres dirigindo mais a
cada semana e sendo menos propensos a parar de dirigir com Uber. Devido a esses
retornos para experimentar e porque o motorista masculino típico do Uber tem mais
experiência do que a mulher motorista - colocando-os mais alto na curva de
aprendizado - os homens ganham mais dinheiro por hora.
A diferença residual de ganhos de gênero que persiste após o
controle desses dois fatores pode ser explicada por uma única variável:
velocidade média de condução. O aumento da velocidade aumenta o desempenho
esperado do motorista em quase todas as configurações do Uber. Os condutores
são pagos de acordo com a distância e tempo que eles viajam na viagem e, na
grande maioria dos casos, a perda de pagamento por minuto ao dirigir
rapidamente é superada pelo valor de completar uma viagem rapidamente para
iniciar a próxima viagem mais cedo e gera um pagamento maior de milhas
percorridas (no conjunto de todas as viagens). Mostramos que a maior velocidade
de condução dos homens é devido à preferência, uma vez que os motoristas
parecem insensíveis ao incentivo para dirigir mais rápido. A maior velocidade
média dos homens e o valor produtivo da velocidade para o Uber e os motoristas
(e, presumivelmente, os passageiros) aumentam a diferença salarial neste
mercado de trabalho.
(...)
Conclusão
(...)
Apesar dessas diferenças, mostramos que, como nos empregos
tradicionais, existe uma diferença salarial entre homens e mulheres. No
entanto, ao contrário de estudos anteriores, somos capazes de explicar
completamente a diferença salarial com três fatores principais relacionados às
preferências e aprendizado do motorista: retorna à experiência, um prémio de
pagamento para uma condução mais rápida e preferências para onde dirigir.
O estudo completo pode ser lido em
https://web.stanford.edu/~diamondr/UberPayGap.pdf. Uma introdução/explicação
dos próprios autores pode ser vista aqui.
Considerando-se que o Uber se utiliza de um programa binário
para aplicar sua fórmula simples e pública que não considera o sexo do
motorista, os seres de poucas luzes terão que dizer que a razão da diferença
salarial entre homens e mulheres na plataforma só pode ser um preconceito
inerente ao 0 (zero) ou ao 1 (um).
Aposto no 1.




